A dor nas costas, em crianças e jovens, tem sido cada vez mais identificada como um problema real de saúde. Apesar de o assunto ser ainda pouco falado no panorama da saúde infantil, os dados são de alerta e está demonstrado que a dor nas costas relevante, isto é, a que tem  impacto na atividade escolar ou de tempos-livres, pode atingir até 20% das crianças e adolescentes, com uma tendência para ser recorrente ou se tornar numa dor crónica que aumenta progressivamente com a idade, sendo maior nos adolescentes.

As causas de um episódio agudo de dor estão normalmente relacionadas com: lesões musculares, sedentarismo e falta de atividade física, excesso de peso, uso incorreto das mochilas e más posturas a ver televisão ou durante a utilização de smartphones e tablets. Para além destes fatores, por vezes, podem ainda resultar de doenças inflamatórias (artrites) ou duma doença estrutural da coluna, como a escoliose, a espondilolistese (deslocamento duma vertebra), a hérnia discal, infeções e muito raramente de tumores. Nestas situações estão indicados exames de imagem e análises de sangue para despistar a presença ou não de tais patologias.

Os pais e educadores devem estar atentos para alguns sinais e sintomas que, sendo raros, podem comportar um risco de doença mais grave, como, por exemplo, a presença concomitante de febre, falta de força ou dormência dos membros, uma dor que irradia ao longo do braço ou da perna ou uma dor que é mais intensa durante a noite e impede a criança de dormir. Na grande maioria dos casos, trata-se de uma situação benigna e autolimitada, resolvendo-se num período de semanas.  A boa notícia para estas crianças e para os pais e educadores é que, com tratamentos e atitudes adequados, o regresso às suas atividades normais e sem desconforto nas costas, constitui a regra e não a exceção.

Quando a dor é intensa podem ser necessários medicamentos para a controlar (analgésicos ou anti-inflamatórios), repouso de curta duração e, por vezes, tratamentos de fisioterapia, após a devida avaliação clínica. Nestas situações, as crianças devem manter-se o mais ativas possível, evitando, contudo, esforços físicos e mochilas pesadas. Mas o maior relevo, nestas idades, deve estar não no tratamento, mas sim na prevenção.

  • Apostar na prevenção

O que podem então crianças e jovens fazer para diminuir o risco de terem dores nas costas? Em primeiro lugar praticar exercício físico regularmente. Este é o pilar fundamental da prevenção e tratamento deste problema, fortalecendo os músculos que dão suporte à coluna e permitindo que esta tolere melhor as cargas diárias a que está sujeita, evitando ainda contraturas musculares, lesões dos discos e articulações adjacentes.

Os exercícios mais adequados são a natação, a bicicleta, a corrida e as caminhadas. Os praticantes de desporto de competição podem ter lesões musculares resultantes dos esforços ou movimentos súbitos e devem ter cuidado redobrado com aquecimento no início dos treinos e jogos e fazer exercícios de fortalecimento dos músculos abdominais, lombares e cervicais. Pode ser necessário complementar a atividade desportiva com a natação, por exemplo, para promover esse mesmo fortalecimento e compensar os esforços a que a sua coluna é submetida.

Por outro lado, é importante estar atento ao tempo que os jovens passam em frente aos ecrãs e evitar posturas curvadas, do pescoço e tronco, ou que estejam mal sentados, isto é, sem as costas apoiadas. É também de extrema importância manter uma alimentação equilibrada, combatendo ativamente o excesso de peso e a obesidade.

  • Atenção ao peso das mochilas

Para a escola deve utilizar-se uma mochila confortável, almofada na zona de contacto com o tronco e nas alças e com vários compartimentos para distribuir melhor o peso, que não deve ultrapassar os 10% do peso da criança/jovem. Por exemplo numa criança de 35 kg, o peso máximo que se recomenda transportar na mochila são 3,5 Kg. As mochilas devem usar-se bem ajustadas ao tronco e sempre com as duas alças colocadas nos ombros.

Quando estamos perante um caso em que já existe dor nas costas, deve ser bem gerida com a escola a necessidade de transporte de manuais escolares para casa e, se for possível, deve existir um cacifo para guardar o material escolar no estabelecimento de ensino.

  • Brincar, mas com cuidado

Algumas brincadeiras de crianças e jovens podem resultar em lesões graves. Devem evitar-se corridas em zonas de pavimento escorregadio, como, por exemplo, rochas com limo ou piscinas.

É necessária atenção redobrada aos mergulhos, que devem ser evitados em zonas de maré baixa ou em locais onde se desconhece a profundidade. As lesões da região cervical da coluna vertebral, que resultam em paralisias dos membros, são uma das mais graves consequências de traumatismos neste contexto, com um impacto dramático e permanente na vida destas crianças e jovens.

  • Promoção de uma coluna saudável

Estes conselhos, para além de promoverem a saúde das crianças têm um impacto muito para além da juventude. Quando ensinamos crianças e jovens a ter hábitos de vida saudável, estamos a torná-los responsáveis pela sua saúde e a contribuir para que  as suas colunas vertebrais sejam mais resilientes às alterações degenerativas (“de desgaste”) que se iniciam na vida adulta.

Os problemas de dor resultantes das patologias da coluna nos adultos são uma das mais importantes causas de incapacidade no mundo inteiro, destacando-se como um dos principais motivos de ida ao médico e de absentismo laboral. É incontornável mudar comportamentos nas gerações mais novas, no sentido de reduzir a escalada crescente do impacto negativo na qualidade de vida, que se tem verificado nesta verdadeira epidemia silenciosa.

É precisamente esta atitude pró-ativa, de educação para a saúde e de maior conhecimento e responsabilidade na saúde individual de cada um, que a Campanha Olhe pelas suas costas tem trabalhado.

Nos últimos anos promovemos várias ações de sensibilização em escolas, tendo sido muito gratificante perceber o quanto as crianças e jovens se interessam por este assunto, não só pelas dificuldades que já sentiram, mas curiosamente também pelo contacto que têm com os problemas de dores nas costas dos familiares.

É absolutamente estratégico envolver as crianças e alertá-las para esta situação, não só para o presente, mas sobretudo pelo que podemos mudar nas suas vidas a longo prazo. Todos juntos, crianças, pais, educadores e profissionais de saúde, temos a obrigação de mudar o paradigma da educação e prevenção ativa dos fatores que, a longo prazo, contribuem para as dores nas costas decorrentes da disfunção progressiva deste sistema biomecânico complexo que é a nossa coluna vertebral.

Bruno Santiago

Neurocirurgião

Hospital Garcia de Orta

Hospital CUF Infante Santo

Coordenador da Campanha olhe pelas suas costas